Entre o Circo dos Cartolas e a Bola que (Às Vezes) Rola

Senhoras e senhores, peguem seus assentos na primeira fila, pois o espetáculo desta semana no grande hospício do futebol brasileiro foi de gala. Tivemos de tudo um pouco: a crônica de uma morte anunciada no Parque São Jorge, com direito a votação de impeachment que mais pareceu a leitura de um testamento já conhecido; a geometria sagrada do VAR, traçando linhas mais polêmicas que as de Nazca; e, claro, a bola rolando, porque, no fim das contas, alguém precisa trabalhar neste país.
Enquanto o Corinthians se afogava em seu próprio pântano administrativo, com o capítulo final da novela "Augusto Melo" servindo de aperitivo, o Botafogo decidiu que a sutileza era para os fracos e passou o trator por cima do Fortaleza em pleno Castelão, numa goleada de 5 a 0 que fez a torcida local questionar se o apocalipse havia chegado mais cedo. Para não deixar o fim de semana monótono, Bahia e Fluminense nos presentearam com um balé caótico de seis gols, um 3 a 3 que deveria ser exibido em escolas de arte como um exemplo de expressionismo abstrato.
Portanto, caros leitores, preparem o fígado e o coração. A coluna de hoje navega entre a farsa dos gabinetes e a glória (ou a desgraça) dos gramados. Bem-vindos à montanha-russa.
Crônica de uma Morte Anunciada: O Impeachment no Parque São Jorge
Não foi uma surpresa. Foi um epílogo. A oficialização do impeachment de Augusto Melo da presidência do Corinthians no último sábado foi menos um evento bombástico e mais a formalidade de um velório cujo defunto já estava ausente do corpo social do clube desde maio. A votação da assembleia geral de sócios foi apenas a pá de cal numa cova que o próprio mandatário cavou com afinco e dedicação ao longo de pouco mais de um ano de uma gestão que entrará para a história como um estudo de caso sobre como não administrar um gigante.
A derrocada de Melo é uma obra com vários atos, cada um mais dramático que o anterior. O enredo principal, a peça que selou seu destino, foi o escândalo "VaideBet". Tudo começou com a promessa de um patrocínio master faraônico de R$ 360 milhões, um número que fez os olhos da Fiel brilharem. O problema? Para fechar o negócio, era preciso pagar uma multa de R$ 40 milhões para rescindir com a patrocinadora anterior. A primeira versão de Melo era que a nova parceira arcaria com a conta. Dias depois, a verdade, como sempre, veio à tona: a dívida era do Corinthians.
A coisa, que já cheirava mal, azedou de vez quando o caso saiu das páginas esportivas e foi parar nas policiais. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a suspeita de que um "laranja" teria sido usado para intermediar o contrato. A investigação culminou no indiciamento de Melo por associação criminosa, furto qualificado e lavagem de dinheiro, com a conclusão de que desvios no contrato teriam sido usados para quitar dívidas de sua campanha eleitoral. Com a casa de apostas rompendo unilateralmente o patrocínio em junho, o castelo de cartas ruiu de vez.
Essa sucessão de eventos exemplifica um mal que assola muitos clubes brasileiros. Um líder carismático chega ao poder com promessas grandiosas de salvação financeira e glória esportiva. Em vez de uma gestão profissional e transparente, opta-se por manobras de alto risco e baixa clareza, concentrando poder e decisões em uma única figura. Quando essas apostas dão errado, como no caso VaideBet, o colapso não é apenas político, mas institucional. A estrutura presidencialista, sem mecanismos de controle robustos e independentes, cria um ambiente fértil para que a ambição pessoal de um dirigente se sobreponha aos interesses do clube, resultando em crises cíclicas. O impeachment de Melo, portanto, é menos a história de um homem e mais o sintoma de um sistema de governança falho.
Como se não bastasse o imbróglio do patrocínio, as finanças do clube sob sua gestão foram um filme de terror. As contas de 2024 foram reprovadas pelo Conselho Deliberativo, a dívida aumentou em R$ 829 milhões e o clube registrou um déficit de R$ 181,8 milhões. A única boia de salvação a que Melo se agarrou foi o título do Campeonato Paulista sobre o arquirrival Palmeiras, quebrando um jejum de cinco anos. Foi o clássico "pão e circo", uma vitória que comprou tempo e a boa vontade das organizadas, mas que não foi suficiente para esconder a podridão estrutural. Agora, com o clube em chamas, o time viaja para enfrentar o Juventude, e a grande questão é se a fumaça tóxica da diretoria vai sufocar o time em campo. Como alguns cronistas mais experientes já apontavam, a faxina, por mais dolorosa que seja, era o primeiro e inevitável passo.
A Geometria da Polêmica: O VAR e a Eterna Dúvida Milimétrica
No domingo, o Allianz Parque foi palco de mais um episódio da série "VAR: O Juiz Eletrônico e Suas Leis Misteriosas". O Palmeiras vencia o Ceará por 2 a 1 quando, nos acréscimos, Aylon marcou para o time cearense. Festa no lado alvinegro, desespero no lado alviverde. Mas, eis que a cabine do VAR chama. Após minutos de suspense, linhas virtuais foram traçadas com a precisão de um cirurgião com Parkinson, e o gol foi anulado por um impedimento milimétrico. O placar final: 2 a 1 para o Palmeiras, e a polêmica servida no prato principal.
O mais delicioso nesse tipo de lance não é nem a dúvida em si, mas a reação que se segue. Um arguto ex-árbitro e hoje comentarista fez a observação perfeita, comparando a gritaria (ou a falta dela) com um lance igualmente duvidoso num recente Palmeiras e Corinthians pela Copa do Brasil. "Vamos ver se quem berrou daquela vez vai berrar agora", disse ele, em outras palavras, expondo a seletividade moral que rege as análises de arbitragem no Brasil. A conclusão dele foi cirúrgica: é uma questão de traçar linhas, e nunca dá para ter 100% de certeza.
Este incidente não é um ponto fora da curva; é a norma. O VAR, que chegou prometendo ser a solução para os erros de arbitragem, tornou-se, em muitos casos, uma ferramenta para potencializar a discórdia. Outro jornalista de renome recentemente dedicou tempo para criticar os "erros graves" que se tornaram rotina no Brasileirão , enquanto um dos decanos da crônica esportiva já havia lamentado que a tecnologia transformou "o orgasmo do gol" na agonia da espera.
O que se observa é que a tecnologia, no Brasil, não atua em um vácuo. Ela foi inserida em uma "cultura da queixa" já profundamente enraizada. Um lance como o do gol anulado do Ceará não é analisado objetivamente. Ele é imediatamente conectado a um histórico de supostos favorecimentos ou prejuízos, como fez o comentarista ao citar o jogo contra o Corinthians. A discussão deixa de ser "foi impedimento?" para se tornar "quem o sistema está beneficiando desta vez?". Isso força os clubes a adotarem uma postura de protesto constante e alimenta uma espiral de desconfiança que envenena o ambiente. O VAR, em vez de ser um árbitro neutro, tornou-se uma espécie de prova forense para teorias da conspiração, transformando o problema da arbitragem de uma questão técnica para uma questão psicológica e social.
O Raio-X da Rodada: Gols, Goleadas e o Guia Definitivo de Quem Passou Vergonha
Chegamos ao clímax do fim de semana, a 19ª rodada, o momento que oficialmente encerra o primeiro turno e separa os candidatos ao título, os sonhadores da Libertadores e aqueles que já começam a fazer as contas para não cair. Vamos aos fatos, com os nossos pitacos nada isentos.
Data e Jogo |
Placar |
Comentário do Colunista |
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Sábado, 09/08 |
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Red Bull Bragantino vs. Internacional |
1 - 3 |
A fábrica de energéticos ficou sem bateria em casa. O Inter, que às vezes dorme no ponto, tomou um café forte e lembrou como se joga fora de Porto Alegre. |
Flamengo vs. Mirassol |
2 - 1 |
O Mengão fez o dever de casa, mas sem o brilho que a torcida exige. Vitória com cara de quem está pensando na fatura do cartão de crédito e não no jogo. |
São Paulo vs. Vitória |
2 - 0 |
O Tricolor venceu, mas a torcida ainda não sabe se comemora ou se continua com o terço na mão. Vitória protocolar para acalmar os nervos no Morumbis. |
Fortaleza vs. Botafogo |
0 - 5 |
O Botafogo passou o trator no Castelão. Foi tão unilateral que o Fortaleza parecia um time de amigos que se reuniu no sábado e esqueceu de chamar o goleiro. |
Bahia vs. Fluminense |
3 - 3 |
O jogo com mais reviravoltas que novela das nove. Seis gols, defesas em pânico e técnicos arrancando os cabelos. Futebol no seu estado mais puro e caótico. Um espetáculo!. |
Domingo, 10/08 |
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Vasco da Gama vs. Atlético-MG |
1 - 1 |
O Vasco levou um gol em 38 segundos e depois correu o resto do jogo para apagar o incêndio. Conseguiu um pontinho, que para quem está no Z-4, vale quase como um pão com manteiga. |
Palmeiras vs. Ceará |
2 - 1 |
O Verdão venceu com a ajuda da régua do VAR. Um jogo suado, decidido no detalhe e na polêmica, do jeito que o palmeirense gosta de sofrer antes de comemorar. |
Cruzeiro vs. Santos |
1 - 2 |
O Santos foi ao Mineirão e roubou os doces das crianças. Uma vitória surpreendente que mostra que, mesmo em crise, o Peixe ainda sabe morder. O Cruzeiro, que dividia a liderança, tropeçou feio. |
Grêmio vs. Sport |
0 - 1 |
O Imortal pareceu bem mortal contra um Sport que luta com unhas e dentes. Uma zebra do tamanho do Rio Grande do Sul passeou pela Arena. |
Segunda-feira, 11/08 |
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Juventude vs. Corinthians |
(Pendente) |
O Timão viaja para o Sul tentando esquecer que o clube está pegando fogo. Será que o caos administrativo entra em campo? A conferir.... |
Esta rodada não foi apenas uma sequência de jogos; foi a cristalização das narrativas que definem o Brasileirão. A goleada do Botafogo não foi só uma vitória, foi uma demonstração de força que solidifica sua imagem de candidato ao título. O empate do Vasco não foi só um ponto, foi mais um capítulo na sua saga de sofrimento e luta pela sobrevivência. O 3 a 3 entre Bahia e Fluminense foi a encarnação do "Dinizismo" e da identidade de times que prezam pelo espetáculo, para o bem e para o mal. A vitória do Palmeiras, suada e polêmica, reforçou a narrativa de um time resiliente e "cascudo" de Abel Ferreira. É por isso que amamos este campeonato: cada jogo é um episódio de uma série com múltiplas temporadas, e os resultados alimentam as histórias que contamos na segunda-feira.
Conclusão: O Troféu "Caos da Semana" e a Bênção para os Próximos Dias
Para fechar a conta e passar a régua, vamos à nossa tradicional premiação semanal, que homenageia os grandes protagonistas (e antagonistas) da rodada:
- Troféu "Caos da Semana": Com louvor e por unanimidade, vai para a diretoria do Corinthians. Conseguiram a proeza de ter um impeachment votado no sábado e ainda precisam mandar o time jogar na segunda. Uma aula de gestão de crise... ou só de crise mesmo.
- Prêmio "Rolo Compressor": Para o Botafogo, que chegou no Ceará com a delicadeza de uma manada de elefantes e transformou o Castelão em seu playground particular.
- Prêmio "Eletrocardiograma": Uma homenagem ao jogo entre Bahia e Fluminense. Se o seu cardiologista estava de plantão no sábado à noite, agradeça a eles.
E assim nos despedimos. Foi uma semana intensa, caótica e, por isso mesmo, absolutamente normal no universo do futebol brasileiro. Que os deuses da bola nos protejam da sanidade e nos abençoem com mais uma dose de loucura na próxima rodada.
Até a próxima, se a gente sobreviver.
Autor(a) : Emerson Gonçalves
Publicado em: 11/08/2025
Última atualização: 11/08/2025
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